O Brasil, historicamente marcado pela violência, enfrenta mais uma vez um dilema que escancara as fragilidades de seu sistema de segurança. Em São Paulo, estado com o aparato policial mais estruturado do país, uma preocupante escalada de abusos policiais levanta uma questão central: quem controla os agentes responsáveis por proteger a sociedade?
O massacre do Carandiru, há mais de três décadas, foi um divisor de águas na relação entre as forças de segurança e o crime organizado. A brutalidade do Estado não apenas alimentou a revolta, mas também catalisou a organização de facções criminosas que, ironicamente, hoje exibem um nível de estrutura e coordenação que o próprio sistema de segurança parece incapaz de alcançar.
Atuando com hierarquias definidas, dentro e fora dos presídios, essas facções monitoram autoridades, protegem seus membros e mantêm rígido controle sobre suas operações. Diante desse cenário, a sociedade se pergunta: como uma polícia tão preparada pode se deixar intimidar ou corromper?
As denúncias de abusos cometidos durante a Operação Verão, na Baixada Santista, são apenas a ponta do iceberg de um problema sistêmico. A reação do governador Tarcísio de Freitas, ao ironizar as críticas com frases como “podem ir na ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta”, é alarmante. Essa postura soa como uma carta branca para excessos, como se o respeito aos direitos humanos fosse opcional.
A ausência de câmeras corporais nas fardas dos policiais em São Paulo é um retrocesso que contrasta com a urgência da fiscalização. Felizmente, os cidadãos têm utilizado seus celulares para registrar a realidade: cenas de socos, estrangulamentos, tiros pelas costas e até execuções. Esses registros, ao mesmo tempo que chocam, têm sido cruciais para expor a violência de uma minoria que mancha a imagem da corporação.
É imprescindível reafirmar: policial não é bandido. O desvio de conduta de alguns agentes não pode contaminar a percepção sobre toda a instituição, composta majoritariamente por profissionais éticos e comprometidos com a lei. No entanto, para preservar essa confiança, é essencial que as corregedorias sejam rigorosas, punindo com firmeza os infratores, seja por meio de demissões, seja por processos judiciais.
Os policiais que violam os procedimentos padrões da profissão devem ser responsabilizados, passando por requalificação ou enfrentando a Justiça nos casos mais graves. Não há espaço para a impunidade.
A sociedade não pode temer aqueles que deveriam protegê-la, nem tampouco recorrer ao crime organizado para escapar de abusos policiais. É necessário que a população se organize, exija transparência, denuncie violações e cobre rigor na apuração de crimes cometidos por agentes do Estado.
O verdadeiro papel da polícia é combater o crime dentro dos limites da lei, garantindo os direitos civis e políticos de todos os cidadãos. Enquanto a resposta à pergunta “quem vigia os vigilantes?” permanecer vaga, o futuro da segurança pública continuará ameaçado.