Durante os quatro anos em que esteve à frente da Presidência da República, Jair Bolsonaro exercitou um tom agressivo de confronto contra as instituições democráticas, principalmente o Supremo Tribunal Federal (STF). De cima de palanques, em lives semanais e entrevistas recheadas de provocações, Bolsonaro acusou ministros de conspirarem contra ele, lançou dúvidas sobre a lisura das eleições e flertou, publicamente, com ideias de ruptura institucional.
Mas o tom mudou — e drasticamente — quando o ex-presidente, agora réu, se viu frente a frente com o ministro Alexandre de Moraes nas audiências do STF que investigam a tentativa de golpe após as eleições de 2022. O que se viu foi um Bolsonaro contido, vacilante e, para muitos, irreconhecível. A retórica beligerante deu lugar a desculpas formais, piadas e a admissão, ainda que cautelosa, de que houve articulações entre ele e os chefes militares no pós-eleição.
Aqueles que esperavam ver o mesmo homem que, em setembro de 2021, ameaçava o Supremo com frases como “não aceitaremos mais decisões que venham de fora das quatro linhas da Constituição”, viram um ex-presidente recuado. Diante de Moraes, Bolsonaro negou qualquer intenção golpista, classificou como “desabafo entre amigos” as acusações feitas contra os ministros do STF e classificou os seus seguidores nos acampamentos diante dos quartéis como “malucos”.
O contraste é gritante. O homem que dizia lutar contra o “sistema” e se colocava como o último bastião contra a corrupção e a “ditadura da toga”, agora buscava amenizar suas próprias palavras. Pior: tentava transformar delírios de ruptura em conversas institucionais, quase protocolares. Disse que discutiu “hipóteses constitucionais” com militares, mas não passou disso. “Não houve clima”, tentando minimizar as acusações de tentativa de golpe.
A postura surpreendeu até aliados, que viram no gesto uma tentativa desesperada de evitar uma condenação. A defesa já reconhece a existência da minuta golpista, mas tenta rotulá-la como um exercício teórico, sem consequências práticas, um documento sem assinaturas.
A mudança de tom atinge todo o núcleo duro do bolsonarismo, que agora busca minimizar evidências, suavizar discursos e reescrever a narrativa dos dias que antecederam o 8 de Janeiro.
A ironia é que Bolsonaro, que tantas vezes acusou seus adversários de covardia e falta de “brio patriótico”, agora recua diante do peso da Justiça. Em um momento quase cômico, tentou fazer graça com Moraes, convidando-o para ser seu vice em 2026. O ministro respondeu com sarcasmo: “Eu declino”. A plateia riu. O réu também. Mas o episódio teve mais ares de humilhação do que de alívio.
A fase de interrogatórios chegou ao fim, mas o julgamento do STF promete ser histórico. Os depoimentos confirmam: havia um plano, havia intenção. O golpe não se consumou, ao que tudo indica, por falta de apoio — não por falta de vontade.