Os atos criminosos perpetrados em 08.01.2023 não foram um protesto qualquer. A invasão e destruição dos prédios dos Três Poderes em Brasília não representaram apenas vandalismo — foram a face mais violenta de um projeto autoritário planejado de não aceitação do resultado das urnas. Tentou-se apagar a legitimidade do Estado democrático de direito.
Agora, pouco mais de um ano depois, setores da extrema direita articulam uma tentativa de apagar a memória desses crimes através de um projeto de anistia.
A proposta de anistia tem um recado implícito, mas eloquente: se não gostar do resultado das eleições, é aceitável quebrar tudo e tentar um golpe, contando que o fracasso será perdoado depois. A lógica é perversa e antidemocrática. O Brasil já viu esse filme em 1964, quando uma ruptura institucional levou a duas décadas de ditadura, censura, tortura e mortes. Se o golpe de 2023 tivesse tido êxito, o país teria mergulhado novamente nesse abismo autoritário.
Há também um cinismo gritante no discurso de quem hoje pede clemência. Os mesmos que agora clamam por “direitos humanos” para os criminosos do 8 de janeiro são os que, até ontem, gritavam que “bandido bom é bandido morto” e defendiam o fim das garantias legais para presos comuns. Aqueles que hoje criticam as penas aplicadas aos golpistas são os mesmos que queriam classificar o MST como organização terrorista por ocupações de terras improdutivas. Além disso, acham normal grileiros invadirem e depois pedirem regularização da ocupação. A lógica é que bens públicos, incluindo prédios e terras, podem ser invadidos e, no final, podem contar com anistia e até serem premiados com a regularização de terras.
Muitos governadores simpáticos ao bolsonarismo — como os de São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Paraná, Minas Gerais e o Distrito Federal — engrossam esse coro, como se aceitassem, em tese, que seus próprios palácios fossem tomados e destruídos, desde que ao final tudo fosse perdoado em nome de conveniências políticas.
Criminoso é criminoso, e o Estado de Direito não pode tergiversar sobre isso. Os acusados pelos atos de 8 de janeiro estão sendo julgados com direito a ampla defesa e devido processo legal. Alegar perseguição ou vitimização é distorcer os fatos: eles não estão sendo punidos por suas ideias, mas por suas ações criminosas.
A tentativa de golpe deixou uma bomba-relógio: ou o país rompe com a tradição de impunidade aos golpistas, ou repete a leniência histórica que pavimentou a estrada da instabilidade política no Brasil. Anistiar esses criminosos é acenar positivamente para o autoritarismo e desacreditar qualquer eleição futura.
Mais do que uma questão jurídica, trata-se de uma escolha moral e histórica. Nenhuma democracia deve perdoar aqueles que tentaram destruí-la ou naturalizar o golpismo. Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, crimes contra o Estado democrático não são passíveis de indulto. É uma proteção constitucional contra o suicídio institucional.