A escalada da litigância abusiva no Brasil evidencia uma crise que ameaça a funcionalidade e a justiça do sistema judiciário. Em sua essência, esse fenômeno configura a indevida manipulação do direito de litigar, com a propositura de ações infundadas, repetitivas e muitas vezes direcionadas a pressionar adversários ou obter vantagens indevidas.
Segundo a publicação Justiça em Números 2024, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2023 foram registrados 35 milhões de novos processos e tínhamos um acervo de 83 milhões de processos em tramitação. A litigância abusiva contribui para o aumento desnecessário desse volume processual, mas sem atingir finalidade de gerar justiça e somente serve para sobrecarregar o sistema judicial.
A Constituição Federal assegura a todos o direito ao devido processo legal e ao amplo acesso ao Judiciário. Além disso, o Código de Processo Civil (CPC) define que o processo deve ser conduzido de forma célere e justa, com respeito ao princípio da boa-fé. No entanto, a litigância abusiva subverte esses princípios ao gerar litígios sem mérito e desnecessários.
No dia 22.10, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu formalmente a prática do “assédio judicial” ao julgar casos de ações simultâneas contra jornalistas e empresas de comunicação, ajuizadas em locais diversos, mas baseadas nos mesmos fatos. A decisão do Tribunal permitiu que, nesses casos, as ações sejam reunidas em um único foro, garantir a ampla defesa da outra parte.
Em outra frente, o CNJ publicou, no mesmo mês de outubro de 2024, a Recomendação nº 159, definindo a litigância abusiva como o “desvio ou manifesto excesso dos limites impostos pela finalidade social, jurídica, política e/ou econômica do direito de acesso ao Poder Judiciário”, relacionando uma série de práticas abusivas.
A Recomendação nº 159 também orienta a adoção de paineis de monitoramento de litígios repetitivos e reincidentes, priorizando o incentivo à conciliação e à mediação, facilitando a identificação de padrões abusivos.
A monitoração de práticas abusivas exigirá do Judiciário muito mais do que uma simples conferência diária dos processos, mas também, em prol da eficiência, necessitará da implantação de monitores automatizados dotados de alertas de ajuizamento de ações abusivas, a partir de parâmetros concretos definidos pelo Judiciário.
Para que as iniciativas do CNJ e dos tribunais alcancem seus objetivos será necessária a colaboração de todos os atores dos processos (advogados, juízes, servidores, etc.), abusos deverão ser notificados à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para a devida apreciação, além da imposição de multa por litigância de má fé. Ao final, com a colaboração de todos, será possível assegurar uma Justiça que realmente cumpra seu papel como instrumento legítimo de resolução de conflitos, promovendo, assim, uma sociedade mais justa e democrática.