A prisão do cantor MC Poze do Rodo, em 30.05, sob suspeita de apologia ao crime e associação à facção Comando Vermelho, reacendeu o debate sobre os limites da liberdade de expressão em manifestações públicas que possam configurar ilícito penal. O episódio expôs diferentes interpretações sobre o alcance desse direito.
O artigo 5º da Constituição Federal assegura a liberdade de expressão, mas estabelece que nenhum direito é absoluto. Já o artigo 287 do Código Penal define como crime a apologia a fato criminoso ou ao seu autor. A responsabilização penal por declarações públicas requer análise do conteúdo, do contexto, da intenção do emissor e do impacto potencial da fala. Referências a temas ligados ao crime, por si só, não configuram infração. No entanto, a exaltação, a incitação ou a legitimação de práticas ilícitas podem ultrapassar os limites legais.
Esse debate se intensifica no contexto das redes sociais, onde conteúdos se disseminam rapidamente. A aplicação da lei penal a manifestações públicas enfrenta o desafio de equilibrar o combate à criminalidade com a garantia da liberdade de expressão. Ao mesmo tempo, busca-se evitar que a legislação seja aplicada de forma seletiva.
Durante o programa O É da Coisa, o jornalista Reinaldo Azevedo criticou o que chamou de tratamento desigual entre casos semelhantes. Ele mencionou a ausência de responsabilização imediata a discursos em defesa dos atos antidemocráticos de 08.01.2023 e comparou com a reação ao caso do cantor. A crítica aponta para a importância da uniformidade na aplicação da lei, independentemente do perfil do autor ou da natureza política da manifestação.
Declarações de autoridades públicas também têm sido observadas nesse contexto. Em 03.06, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, criticou a concessão de habeas corpus ao cantor, afirmando que ele promove organização criminosa. No entanto, o mesmo governador defendeu publicamente a concessão de anistia a investigados por atos contra as instituições democráticas, mas sem indignação ou mesmo indicação disto ser apologia ao crime.
Quando manifestações com conteúdo semelhante recebem respostas distintas, a segurança jurídica é afetada. A promoção de crimes por meio de discursos, inclusive por representantes do poder público, pode favorecer a repetição das condutas e reforçar a percepção de tolerância ao ilícito.
Dessa forma, quando o direito à liberdade de expressão é utilizado para exaltar, incitar ou legitimar práticas criminosas, cabe a responsabilização conforme os parâmetros legais. Esse enfrentamento deve alcançar todos os autores, sem distinção entre cidadãos comuns e autoridades públicas. O uso da palavra para promover o crime compromete a ordem jurídica e a segurança coletiva, independentemente do cargo ou da visibilidade de quem fala. A aplicação uniforme da lei é essencial para preservar a integridade das instituições e a confiança da sociedade no Estado de Direito.